Feng Shui e Urbanismo – Novos Paradigmas
O Feng Shui como diretriz para a criação de novos paradigmas na análise e produção do Urbanismo nas cidades ocidentais.
Este artigo foi usado pela arquiteta Aline Mendes como base para a prova de seleção do Mestrado em Arquitetura e Urbanismo da UFF (Universidade Federal Fluminense) no ano de 2007, obtendo nota máxima nesta etapa da avaliação.
Por diversos motivos, o mestrado acabou não sendo cursado. Mas fica aqui a reflexão a respeito das possibilidades de integração do Feng Shui ao pensar e fazer do Urbanismo em nossas cidades.
História da Cidade e do Urbanismo – Base para Novas Abordagens e Resgate de Antigas Sabedorias
Aline Gonçalves Lopes Mendes
As Cidades e o Urbanismo no Século XX
O século XX foi marcado, em sua primeira metade, pelo crescimento acelerado das cidades brasileiras. A prática do urbanismo, até a década de 30, consistia de medidas de saneamento e melhoramento (ou embelezamento) das cidades. O grande modelo a ser seguido era Paris, com seus amplos boulevares e jardins. Para adaptar tal modelo às cidades brasileiras, quarteirões inteiros eram demolidos, dando lugar a extensas avenidas.
Neste período surgiram as primeiras iniciativas de criação de uma legislação que ordenasse a ocupação urbana. Posteriormente, foram elaborados os grandes planos urbanísticos, abrangendo toda a cidade, delimitando claramente a malha viária e definindo o zoneamento – parâmetros de ocupação e uso do solo. Este modelo de urbanismo atendia à demanda, provocada pela crescente industrialização, de vias rápidas para escoamento da produção e locomoção diária dos trabalhadores. O modelo de cidade industrial exigia a setorização de usos, com bairros separados para escritórios, indústrias, habitação.
No Brasil, a repentina transferência da população do campo para as cidades e a falta de assistência por parte do governo no assentamento desse grande contingente populacional, fez com que os “vazios urbanos” fossem ocupados de maneira totalmente desordenada, muitas vezes sem os requisitos mínimos de saneamento e transporte.
Mecanicismo afastando o homem da natureza
Essa foi uma época em que a cidade era vista como uma máquina, projetada em função de seus aspectos técnicos e econômicos. O movimento modernista forneceu uma das bases para esse padrão de planejamento baseado em “forma e função” e totalmente renovador, sem maiores considerações pela tradição ou pelo modo como os habitantes vivenciavam a cidade.
Na segunda metade do século, o urbanismo é marcado por questionamentos, críticas e diferentes propostas. Embora já estejam presentes, aqui e ali, estudos que levam em consideração as questões ambientais e regionais, a prática do urbanismo teve seus rumos direcionados principalmente pelos interesses imobiliários e especulativos. Novos parâmetros, aplicados às grandes remodelações urbanas, tratam a cidade como um produto, que vende sua imagem atendendo a exigências econômicas e de mercado. A forma de se pensar a cidade mudou, mas continuou-se ignorando – se não na teoria, mas certamente na prática – a participação da população neste processo.
No Brasil, a falta de uma política de gerenciamento urbano levou ao agravamento dos problemas pré-existentes – caos viário, excesso de adensamento, favelização, enchentes, poluição dos rios e energia elétrica insuficiente, entre outros – deixando as cidades à beira de um colapso.
Nas duas últimas décadas, as súbitas alterações climáticas e as previsões apocalípticas dos cientistas exigiram da sociedade e dos governos de todo o mundo uma maior conscientização acerca da melhor utilização e preservação dos recursos naturais, começando a despertar nas pessoas a consciência ecológica. Cidade e natureza, até então pensadas como elementos totalmente separados, agora precisam ser vistos como partes interdependentes de uma mesma realidade.
Novas Abordagens nas Últimas Décadas
O que podemos observar é que as formas de urbanismo amplamente utilizadas até o momento desconsideram o homem como sujeito e agente principal da cidade. A partir da década de 1960, alguns arquitetos começaram a dar-se conta da necessidade de criação de novos paradigmas para o urbanismo, e elaborar suas respostas a essa necessidade.
Um dos primeiros a olhar a cidade com outros olhos e colocar o foco em seus moradores foi Kevin Lynch, em 1960, em seu livro “A Imagem da Cidade”. Nele, Lynch desenvolve a teoria de que uma cidade precisa possuir uma imagem com força simbólica, para que seja satisfatoriamente estruturada e seus habitantes possam estabelecer com ela uma identificação emocional. Defende também não ser possível construir um modelo fechado para a cidade, ao contrário, ela deve ser construída através de uma contínua sucessão de fases. Posteriormente, seus estudos se ampliaram para incluir outras qualidades sensoriais dos espaços urbanos, além da imagem.
Alguns anos mais tarde, Yi-fu Tuan abre ainda mais o leque de percepções da cidade ao elaborar o estudo da Topofilia, definida como a ligação afetiva entre a pessoa e o lugar. Tuan alega que a forma de ver e experimentar os lugares é totalmente subjetiva, condicionada pelas particularidades de percepção de cada indivíduo, e associa a auto-compreensão à solução dos problemas ambientais.
Na mesma época encontramos Christopher Alexander, com seu extensivo estudo sobre as qualidades atemporais das construções e cidades. Em “The Timeless Way of Building”, Alexander defende o desenvolvimento natural das cidades, sem a interferência restritiva do estado, e critica a separação das cidades em regiões de usos distintos. Para Alexander, o homem é produto do ambiente, e a harmonia do indivíduo depende inteiramente de sua harmonia com o ambiente que o rodeia. O segundo volume do estudo, “A Pattern Language”, abriga um dicionário de padrões capazes de criar uma linguagem urbana e arquitetônica com tais qualidades atemporais.
Aproximando-nos do fim do século, vemos aumentar a relevância das questões ambientais, abrangendo desenvolvimento sustentável, ecologia, consciência ecológica, compromisso com o meio-ambiente, educação ambiental, etc. Muitas pesquisas vêm sendo feitas por profissionais das mais diversas áreas de conhecimento, indicando um retorno à necessária interdisciplinaridade na busca por posturas realmente eficazes de relação com o meio-ambiente.
Focando o aspecto do urbanismo neste conjunto, destaco os trabalhos de Marta Adriana Bustos Romero, que define com clareza os princípios bioclimáticos para o desenho urbano, especialmente em climas tropicais; e de Michael Hough, com um estudo bastante completo e integrativo sobre a ecologia urbana como base para a remodelação das cidades. Este último trabalho destaca a atual ruptura que existe entre natureza e cidade, com esta nos afastando completamente dos ciclos naturais.
No campo da filosofia, Leonardo Boff, em “Saber Cuidar”, identifica o declínio do realismo materialista, com o surgimento da física quântica e a confirmação de que tudo é energia e o universo é uno, levando à necessidade de novos paradigmas em nossa sociedade. Propõe como solução a ética do cuidado, como condição essencial para que os seres desenvolvam a empatia necessária com o ambiente em que vivem.
Resgatando Antigas Sabedorias
Acredito firmemente que o caminho para criação destes novos paradigmas não está em “reinventar a roda”, tentando criar soluções totalmente inéditas de relação cidade-homem-natureza. Estão ao nosso alcance, ainda hoje, conhecimentos ancestrais, de épocas ou culturas em que o homem permanece ligado à natureza de forma espontânea.
Leonardo Boff, na conclusão de seu livro, propõe o feng shui, sabedoria milenar chinesa de harmonização ambiental, como alternativa de cuidado com o ambiente onde vivem as pessoas, e vê nele uma nova ética ecológico-cósmica de cuidado com os seres e a Terra.
Assim como Boff, Lynch, em “A Imagem da Cidade”, já identificava no feng shui, à época conhecido como geomancia chinesa, uma possível solução para o planejamento de cidades com força simbólica e ao mesmo tempo flexíveis e adaptáveis. Ainda que, talvez por preconceito ou falta de conhecimento aprofundado sobre o tema, classifique o feng shui como pseudociência, reconhece-o como um método complexo e sistematizado de análise da paisagem e interação e produção de espaços, através do trabalho de classificação e manipulação de elementos tais como montanhas, rochas, vegetação, lagos e cursos d’água, construções, obeliscos, etc. Lynch cita, como qualidades do feng shui, ser constituído por uma análise aberta do ambiente, permitindo o desenvolvimento de novos significados, e levar ao uso e controle das formas do ambiente externo.
Se considerarmos que tal livro foi escrito em 1960, e que desde então nenhum estudo mais detalhado foi feito sobre o tema, acredito estar mais do que na hora de darmos atenção a esta técnica chinesa pouco conhecida pelos arquitetos e urbanistas, aproveitando-nos do momento histórico favorável, em que tal conhecimento se faz disponível a nós ocidentais.
Construções e cidades
O feng shui é fruto de um coerente sistema filosófico chinês, que está em sintonia com os desejos atuais da crescente parcela de nossa sociedade interessada em criar novos e mais harmônicos paradigmas. Trata-se de uma abordagem sistêmica, que leva em conta todos os níveis de integração entre homem e natureza, considerados partes inseparáveis de um todo. O foco de atenção está no ser, agente responsável pela integração céu-terra, e não no objeto, como vem ocorrendo no Ocidente. O feng shui classifica como eficaz um ambiente que leve bem estar aos seus habitantes, como fonte primordial de equilíbrio humano e ecológico, em contraponto à conceituação materialista do urbanismo ocidental vigente, que associa a eficácia de um local principalmente à sua viabilidade técnica e econômica.
Embora em suas origens esta disciplina não discriminasse cidade de construções, o que se nota é que, em sua transposição para o Ocidente, o aspecto de planejamento urbano foi deixado de lado, sendo pouco estudado e praticado, dando-se mais ênfase ao seu uso em construções. Creio, por isso, ser importante a realização de estudos que resgatem as técnicas tradicionais de aplicação do feng shui ao urbanismo, e ao mesmo tempo definam como é possível aplicá-lo de maneira sistematizada às cidades ocidentais contemporâneas.
Arquitetos do presente e do passado
Marcos Murakami, arquiteto de São Paulo e autor de “O Grande Livro do Feng Shui Clássico”, destaca o estudo do feng shui como possível solução para o vazio conceitual e filosófico que atinge os jovens arquitetos recém saídos da universidade. Outro arquiteto, Carlos Solano, de Belo Horizonte, aborda em seu livro “Feng Shui – Arquitetura Ambiental Chinesa” as bases filosóficas e históricas do feng shui, e desenvolve vários aspectos de análise e interação com a paisagem natural.
Será interessante também fazer um paralelo com o que recomenda Vitruvius, em seu clássico “Os Dez Livros de Arquitetura”, que se estima haver sido primeiramente publicado à época do imperador Augusto. Neste compêndio, Vitruvius ressalta a importância de que a formação do arquiteto seja variada, abrangendo noções de história, filosofia, música, medicina, leis e astronomia.
Quando aborda o planejamento das cidades, a começar pela escolha do local onde será implantada, Vitruvius destaca a necessidade de escolha de um local altamente saudável, em função de sua topografia, clima, vegetação, ventos predominantes, insolação, umidade. Recomenda a observação da qualidade das águas e da vegetação no local como indício de salubridade, esclarecendo como lidar com os diferentes tipos de águas e suas propriedades. Define parâmetros para o planejamento de ruas, em função do sistema de 8:24 ventos, e neste ponto há uma semelhança notável com o estudo do feng shui, que diferencia 24 direções que recebem, cada uma, um tipo peculiar de “energia”, a partir de uma divisão inicial de 8 direções.
Feng Shui ou neo-Feng Shui?
É importante esclarecer que o que costuma estar mais acessível ao público no Ocidente não é o Feng Shui Tradicional Chinês, e sim uma adaptação excessivamente resumida e ocidentalizada conhecida por Feng Shui do Chapéu Preto. Este neo-feng shui, criado nos Estados Unidos no final da década de 1970, apenas bebe na fonte do feng shui original, mas é alterado por tantos enxertos e inovações que pouca semelhança teórica e prática guarda com o verdadeiro feng shui. Pretendo, em minha pesquisa, abordar os fundamentos e métodos do Feng Shui Tradicional Chinês – que estudo há mais de dez anos – conforme ensinado por mestres chineses a partir do conhecimento presente em antigos clássicos, alguns deles escritos há vários séculos.
Acredito que, com uma pesquisa mais atenta, será possível encontrar ainda outros pontos em comum entre os diversos conhecimentos ancestrais, sejam eles chineses ou ocidentais, para que possam ser resgatados, atualizados e difundidos no ocidente.
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Imagem: www.settour.com.tw
Boa tarde! Sou uma curiosa do Feng Shui, mas estudei pela Escola do Chapéu Preto, que já percebi que terá pouco a ver com o tradicional. Mas, seja como for, aprendi a estudar a harmonização de casas através da criação de um baguá feito depois de encontrados os limites da casa, e aprendi que o centro geométrico da casa do baguá representa o sector da saúde.
Porque a cidade onde vivo (Portalegre, Portugal) está extraordinariamente degradada, envelhecida e pobre, lembrei-me de tentar estudá-la através do Feng Shui. Encontrados os limites e feito o respectivo baguá, verifico que o centro geográfico se situa no cemitério local.
Curiosamente, este centro geográfico fica sempre no cemitério mesmo que, por hipótese, me limite a pegar no mapa e a colocar uma régua que una o ponto mais a norte com o ponto mais a sul.
E a minha pergunta, se fizer o favor de me responder, é se, na sua opinião, estará correto o meu procedimento para encontrar o centro geográfico ou se, pelo contrário, para cidades se aplicam outras fórmulas. E, por outro lado, se na sua opinião o cemitério pode não ser o principal factor de retrocesso da cidade.
Grata pela atenção e com os melhores cumprimentos,
Lina Umbelino, Portugal